Rebeca Venâncio discute a essenciabilidade dos dados para práticas agrícolas sustentáveis e desafios ambientais
Rebeca Venâncio é engenheira ambiental e atua como Analista Sênior de Sustentabilidade da Fundação Eco+. Crédito: Fundação Eco+
A agricultura moderna está intrinsecamente ligada ao uso eficiente das informações. Hoje, mais do que nunca, a coleta, análise e aplicação inteligente dos dados desempenham papel crucial na melhoria da tomada de decisões e no desenvolvimento do setor como um todo.
Produtores rurais, por exemplo, podem desfrutar dos benefícios da digitalização ao usarem ferramentas que otimizam processos, reduzem desperdícios e maximizam a produção agrícola. Desde o uso de recursos como sementes, fertilizantes, defensivos, maquinário, combustível, horas de trabalho da equipe, até modelos preditivos que preveem condições do clima e do solo são alguns dos exemplos possíveis com a utilização dos dados.
No entanto, o setor tem enfrentado desafios em relação à adoção de práticas mais sustentáveis, principalmente para se enquadrar a legislações ambientais internacionais cada vez mais rígidas. A que chama mais atenção é o Pacto Verde Europeu e seus desdobramentos em toda a cadeia global. O imposto sobre carbono, chamado CBAM (Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono), passará a valer em 2026 e poderá gerar desafios para o agronegócio brasileiro, em específico aos produtores que não estiverem alinhados às pretensões europeias de redução das emissões de carbono.
A dificuldade em demonstrar que práticas agrícolas atuais são ecologicamente corretas pode estar associada a dois problemas diferentes: comunicação pouco aderente aos consumidores, que tragam exemplos concretos e dados científicos que comprovem o que está sendo feito; esforços para implementação de práticas agrícolas orientadas à sustentabilidade que contribuam para a redução do consumo de defensivos agrícolas e recursos naturais, conservação do solo e preservação da biodiversidade.
Nesse sentido, a cultura dos dados pode ganhar uma finalidade alternativa se o setor pretende seguir as tendências e melhores práticas de mercado. Trazendo como exemplo o Brasil, o que o agronegócio faz, em termos de sustentabilidade, é suficiente para mantermos nosso posto como referência em relação a outros grandes players mundiais durante os próximos anos?
Frente à crescente demanda por métricas que permitam traduzir os benefícios das práticas sustentáveis aplicadas ao contexto agrícola, e que sirva de embasamento para uma comunicação clara e transparente com os consumidores, investidores e governantes, a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) é uma tendência que tem trazido resultados bastante interessantes nesse setor.
Essa metodologia foi desenvolvida para avaliar de forma abrangente e quantitativa o consumo de recursos e encargos ambientais em todo o ciclo de vida de produtos e serviços, incluindo uso de recursos naturais, emissões de gases de efeito estufa, uso de energia, impactos na biodiversidade e muito mais. A partir dela, é possível gerar insights e caminhos que promovam o desenvolvimento verde e de baixo carbono na agricultura.
Ao combinar a ACV com a coleta e análise de dados agrícolas provenientes das tecnologias digitais, produtores podem identificar pontos de melhoria em seus processos e implementar práticas mais sustentáveis. Por exemplo, a análise do ciclo de vida de um determinado cultivo pode revelar que a maior parte do impacto ambiental não está na etapa da produção, mas sim na pré-cadeia de uma fase de produção de fertilizantes. Com essa informação, os agricultores podem optar por fornecedores de fertilizantes mais sustentáveis ou ajustar suas práticas de aplicação para reduzir o uso.
Um exemplo de trabalho bem executado com o uso dos dados para sustentabilidade é o Sistema Campo Limpo, iniciativa realizada pelo inpEV (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias) de logística reversa de embalagens vazias e sobras pós-consumo de defensivos agrícolas. A união de agricultores, indústria, revendedores e poder público garantiu a destinação ambientalmente correta de mais de 750 mil toneladas de embalagens vazias, desde o início das atividades em 2002.
Aproximadamente 93% das embalagens colocadas no mercado são destinadas à reciclagem, enquanto os 7% restantes, são devidamente descartados, garantindo uma destinação ambientalmente correta para 100% dos produtos consumidos em nosso país. Os impactos se estendem para as emissões de carbono, ao serem evitados mais de 974 mil toneladas de CO2 para a atmosfera. Isso equivaleria a 18 mil viagens de caminhão ao redor da Terra, por exemplo.
À medida que avançamos para um futuro em que a demanda por alimentos continua a crescer e os recursos naturais se tornam mais escassos, o papel dos dados na agricultura se tornará crucial para tomada de decisões, impulsionando práticas mais sustentáveis.
As projeções feitas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, em inglês) de que a demanda por alimentos crescerá cerca de 1,3% até 2032 é um sinal de que esse movimento por processos cada vez mais sustentáveis será mais intenso.
A cultura dos dados na agricultura pode se beneficiar significativamente das métricas da ACV, tornando-se uma ferramenta poderosa para sustentar uma agricultura mais resiliente e corretamente ecológica a longo prazo. Essa nova visão pode ajudar os produtores a demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade e a cumprir as regulamentações por meio de dados quantitativos e qualitativos sobre seus impactos ambientais.