Compliance e tecnologia no agronegócio: como antecipar riscos jurídicos em um setor cada vez mais digital
Postado por Marcelo Winter, sócio de agronegócio do VBSO Advogados em 29/07/2025 em ArtigosAutor aborda a importância do compliance jurídico na transformação digital do agronegócio
Marcelo Winter, sócio de agronegócio do VBSO Advogados
O agronegócio brasileiro atravessa uma transformação estrutural. A introdução de novas tecnologias, a sofisticação das cadeias produtivas e a inserção crescente do setor nos mercados financeiros e de capitais mudaram definitivamente o perfil da atividade rural no país. Já não se trata apenas de produtividade no campo, mas da construção de um ecossistema conectado, regulado e cada vez mais dependente de estruturas jurídicas sólidas. Nesse contexto, o compliance assume papel central.
O uso de drones para monitoramento agrícola, a coleta de imagens georreferenciadas para gestão territorial, a contratação de seguros por meio de plataformas digitais, os contratos de barter com precificação atrelada a índices internacionais e a digitalização de cadeias logísticas são exemplos de como a tecnologia está profundamente integrada ao cotidiano do setor. Cada uma dessas inovações, no entanto, carrega implicações jurídicas que não podem ser ignoradas. A ausência de parâmetros claros, registros formais e governança documental pode gerar litígios, passivos ocultos e entraves a financiamentos ou exportações.
A antecipação de riscos jurídicos, nesse cenário, não é apenas desejável. É uma condição para a perenidade e expansão das operações. Não se trata de frear a inovação, mas de assegurar que ela se desenvolva sobre bases legais compatíveis com a complexidade da atividade agroindustrial. Quando contratos são elaborados sem respaldo técnico, quando dados são coletados sem embasamento jurídico ou quando plataformas operam à margem da regulação setorial, abrem-se brechas que comprometem a segurança jurídica dos negócios. E, num setor com margens pressionadas e exposição ao mercado internacional, o custo de não conformidade tende a ser elevado.
A Lei Geral de Proteção de Dados é um exemplo claro desse novo ambiente normativo. Ferramentas digitais que coletam, processam e armazenam dados sobre a produção rural, operações financeiras, perfil de consumo e comportamento dos usuários precisam cumprir critérios legais específicos. Isso exige consentimento, finalidade, segurança, transparência e governança. A não observância desses critérios pode implicar em penalidades administrativas e judiciais, além de afetar a reputação e a credibilidade das empresas envolvidas.
Outro aspecto crítico é a crescente automatização de processos decisórios. Ferramentas digitais que utilizam algoritmos para concessão de crédito, definição de preços, análise de risco ou gestão de logística precisam estar alinhadas não apenas aos objetivos de eficiência, mas também aos princípios da responsabilidade civil e do devido processo. Em caso de falhas ou discriminação indireta, os efeitos jurídicos podem recair sobre operadores, desenvolvedores ou beneficiários da tecnologia.
Essa realidade exige que o compliance esteja presente desde a concepção dos modelos de negócio. Não basta revisar contratos após sua execução ou remediar exposições jurídicas depois de consolidadas. O papel do jurídico se desloca para as fases iniciais dos projetos, auxiliando na estruturação de soluções tecnológicas, na formatação de cláusulas contratuais, na definição de políticas internas e no desenho de fluxos operacionais. A atuação preventiva permite alinhar as práticas empresariais às exigências legais e regulatórias, protegendo os interesses da organização e reforçando sua posição competitiva.
O mercado financeiro, especialmente no que se refere a fundos de investimento estruturados e instrumentos de securitização, também passou a exigir maior atenção à conformidade jurídica dos ativos vinculados ao agronegócio. Certificados de Recebíveis do Agronegócio, Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais e estruturas de financiamento atreladas a critérios ESG incorporaram diligências jurídicas mais robustas, com foco em integridade documental, rastreabilidade de lastros e aderência a normas ambientais e trabalhistas. Empresas que demonstram governança, controle e políticas efetivas de compliance tendem a acessar capital com mais facilidade e melhores condições.
A valorização da conformidade jurídica também é observada no comércio exterior. Mercados exigentes como o europeu e o norte-americano passaram a condicionar relações comerciais a padrões de rastreabilidade, conformidade ambiental, regularidade fundiária e integridade institucional. Isso significa que cadeias produtivas sem documentação adequada ou com práticas jurídicas frágeis podem ser desclassificadas, ainda que apresentem desempenho técnico ou econômico satisfatório.
O agronegócio brasileiro já provou sua capacidade de adaptação tecnológica e de liderança na produção de alimentos, energia e fibras. O desafio atual é consolidar essa posição a partir de estruturas jurídicas compatíveis com o grau de maturidade e sofisticação do setor. Compliance e inovação devem caminhar juntos, não como esferas separadas, mas como dimensões interdependentes da atividade empresarial. Antecipar riscos jurídicos é, nesse novo contexto, sinônimo de competitividade.
Construir um ambiente institucional sólido, com regras claras, governança efetiva e mecanismos de prevenção é o caminho para garantir que o avanço tecnológico do agronegócio se traduza em valor sustentável, atração de investimentos e credibilidade internacional. O setor que alimenta o mundo precisa estar juridicamente preparado para os desafios do presente e para as oportunidades do futuro.